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Manifestações neurológicas em doenças do TGI

por 10 de julho de 2020 Sem comentários

O trato gastrointestinal(TGI) é muito inervado, tendo uma relação intensa com o Sistema Nervoso. Tanto é que se fala muito sobre as manifestações gastrointestinais das doenças neurológicas. Sabe-se já há algum tempo que a Doença de Parkinson tem como manifestação inicial constipação crônica, antes mesmo dos sintomas motores da doença começarem a aparecer. Também é comum pacientes com doenças neurológicas evoluírem com disfagia, como por exemplo em quadros de AVC, traumas de crânio, doenças desmielinizantes como a esclerose múltipla e a neuromielite óptica, doenças neuromusculares como miopatias e doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.

Mas essa não é uma via de mão única, visto que várias doenças do trato gastrointestinal também geram repercussões neurológicas. Essas manifestações podem ser em decorrência direta da doença, como na Doença de Whipple e nas doenças hepáticas ou secundária em decorrência da deficiência nutricional que elas causam como a deficiência de vitamina B12 na anemia perniciosa, ou as alterações nutricionais causadas pelas doenças inflamatórias e doença celíaca.

Na Doença de Whipple, causada pela infecção do TGI pela bactéria Tropheryma whipplei, as manifestações são multissistêmicas, sendo as mais comuns: diarreia crônica, dor articular e perda de peso. Mas o envolvimento isolado de alguns órgãos como as válvulas cardíacas e o Sistema Nervoso Central(SNC) pode acontecer sem os achados clássicos da doença descritos acima.

Na maioria dos casos, o envolvimento do SNC é assintomático, mas quando sintomático, alteração cognitiva é a manifestação mais comum. Ainda existem dois sinais patognomônicos da doença: miorritmia oculomastigatória (movimentos rítmicos contínuos de convergência ocular com contrações concomitantes dos músculos mastigatórios) e miorritmia oculo-facial-esquelética. Essas anormalidades são quase sempre acompanhadas por paralisia do olhar vertical. Outras manifestações menos comuns da doença incluem: ataxia de marcha, mioclonias, convulsões e neuropatias.

Na doença Celíaca, uma enteropatia de sensibilidade ao glúten, as manifestações clássicas da doença são: síndromes relacionadas a má absorção de nutrientes e vitaminas, perda de peso e esteatorreia. O comprometimento neurológico é tanto em decorrência direta da ação de auto-anticorpos da doença como em consequência das deficiências nutricionais (Vitaminas B12, B1, E). Os sintomas neurológicos são vários, podendo causar: dores de cabeça, neuropatia periférica, crises convulsivas e alterações no humor e cognição. As neuropatias periféricas podem inclusive preceder o diagnóstico da doença.

Já nas doenças Inflamatórias Intestinais, representadas pela Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa, as manifestações neurológicas parecem ser um pouco menos comum do que as manifestações em outros órgãos(olhos, articulações, pele).A fisiopatologia relacionada as manifestações neurológicas inclui desde alterações no sistema imune, mecanismos tromboticos e carências nutricionais. Sendo as mais comuns: neuropatias, miopatias, mielopatias, vasculites de SNC, trombose de seio, crises convulsivas e encefalopatia.

Como as manifestações neurológicas podem muitas vezes preceder o diagnóstico da doença gastrointestinal, vale sempre pensar em todas essas possibilidades quando estamos diante de um comprometimento neurológico sem causa aparente.

Mariana Schumacher Welling
Neurologista 

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